Hoje vou começar a postar aqui uma reportagem retirada do jornal ZH, de maio de 2017, sobre bipolaridade.
Não postei a reportagem aqui antes em função de várias "quedas" bipolares que eu tive, mas como o assunto costuma ser sempre atual, então aqui vai:
O que vi e vivi
Autora de uma biografia recém-lançada, Helena Gayer conta como é conviver com a bipolaridade.
Aos 21 anos, Helena Gayer recebeu o diagnóstico de bipolar. Desde então, oscilou entre surtos que a faziam se sentir como uma enviada divina, sempre seguidos da dor de enfrentar mais um recomeço. Ela compartilha com Donna um pouco da experiência dessa jornada narrada no livro Me diga quem eu sou.
Hoje é comum ouvir piadinhas sobre bipolaridade. Mas o que significa ser bipolar? Talvez eu possa ajudar contando um pouco do que tenho passado até aqui. Em meu livro Me diga quem eu sou, falo um pouco de como é a minha experiência com este transtorno de humor. Fui diagnosticada aos 21 anos, mas já sofria de depressão intercalada com períodos de uma alegria sem razão de ser desde os 14. Tudo começou com a separação de corpos dos meus pais; no entanto, desde muito pequenina, eu era bastante introspectiva. Na adolescência, mesmo passando por episódios de depressão em que afundava em minha cama, consegui ser a melhor da minha turma na escola.
Quando o médico me deu o diagnóstico de bipolar, disse que o meu caso era bastante sério. Contrariando qualquer timidez, meu primeiro surto (aos 21 anos) foi bombástico, com direito a prisão e dias e noites em claro pela paradisíaca Florianópolis, experimentando o delírio de me achar uma enviada divina. Inspirada no livro Do jardim do Éden à Era de Aquarius, que lera aos 19 na casa de um colega do curso de Oceanologia em Rio Grande, me imaginava numa sociedade evoluída onde ei exterminaria o mal. Foram dias de um cansaço descomunal, em que perambulei insana pelas praias me envolvendo em situações perigosas e inusitadas.
Eu morava em Canoas e viajara com uma vizinha para Floripa. Ela, apavorada, chamou meu pai e ele foi me buscar de carro com uma amiga. Minha família não entendia o que estava acontecendo comigo e me internou no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Depois de tudo, viria o retorno à realidade dentro do setor psiquiátrico e o recomeço. Assim aconteceu por inúmeras vezes. Era só observar os sintomas: pensamento acelerado, falta de sono, ideias absurdas e recorrentes. Várias vezes, eu me expus sem a mínima noção de perigo e só saí ilesa não sei como. A cada exposição, uma nova internação e um novo recomeçar. Assim foi em Florianópolis, onde, depois de tudo, até os policiais ficaram meus amigos.
Teve a vez que dormi na praia de Canasvieiras e algumas amigas só foram me encontrar no outro dia pela manhã: o Carnaval em Pelotas, onde fui expulsa de um retiro espiritual e jogada na rua sozinha em plena madrugada; a noite que escapei de três homens mal- intencionados por uma fração de segundos na praia do Cassino; ou quando, em surto, busquei pela minha sobrinha imaginária entre os jovens que se divertiam na noite de um final de semana em uma avenida movimentada da cidades. Meus surtos eram intercalados por períodos de sanidade em que eu voltava à Faculdade de Jornalismo e me envolvia em questões sociais, como meio ambiente, direitos humanos e comunicação alternativa. Também nesses momentos eu buscava um mundo ideal e acabava me perdendo mais adiante em meus devaneios pelo fato de a realidade não corresponder ao que eu almejava.
Em certa ocasião, fui ao Rio de Janeiro e lá conheci uma turista alemã. Passeamos pela cidade sem que ela percebesse que eu estava surtada. Tempo depois, ela me mandou um cartão-postal. Respondi no meu inglês macarrônico, dizendo que na época eu estava maluca. Acho que ela não entendeu nada. Talvez porque eu estabelecia diálogos internos: explicando melhor, eu não falava dos meus sentimentos absurdos. Guardava-os para mim. Já imaginei que poderia me transformar num cavalo ou que entabulava um diálogo com uma baleia que, na realidade, era um imenso tronco de árvore. Já experimentei desde o frio numa cela de um hospital público até o conforto de uma piscina numa clínica particular. Os dois me privaram da liberdade. Tomei uma quantidade absurda de remédios, entre os quais o lítio se destacou. Passei por 10 internações e mais duas recentemente, com um intervalo de 10 anos.
CONTINUA...
Bem, pessoal, por hora era isso. Para o texto não ficar muito longo, eu vou escrever a segunda parte na semana que vem.
Espero que estejam apreciando as informações.
Um abraço a todos e até a semana que vem.
Quando o médico me deu o diagnóstico de bipolar, disse que o meu caso era bastante sério. Contrariando qualquer timidez, meu primeiro surto (aos 21 anos) foi bombástico, com direito a prisão e dias e noites em claro pela paradisíaca Florianópolis, experimentando o delírio de me achar uma enviada divina. Inspirada no livro Do jardim do Éden à Era de Aquarius, que lera aos 19 na casa de um colega do curso de Oceanologia em Rio Grande, me imaginava numa sociedade evoluída onde ei exterminaria o mal. Foram dias de um cansaço descomunal, em que perambulei insana pelas praias me envolvendo em situações perigosas e inusitadas.
Eu morava em Canoas e viajara com uma vizinha para Floripa. Ela, apavorada, chamou meu pai e ele foi me buscar de carro com uma amiga. Minha família não entendia o que estava acontecendo comigo e me internou no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Depois de tudo, viria o retorno à realidade dentro do setor psiquiátrico e o recomeço. Assim aconteceu por inúmeras vezes. Era só observar os sintomas: pensamento acelerado, falta de sono, ideias absurdas e recorrentes. Várias vezes, eu me expus sem a mínima noção de perigo e só saí ilesa não sei como. A cada exposição, uma nova internação e um novo recomeçar. Assim foi em Florianópolis, onde, depois de tudo, até os policiais ficaram meus amigos.
Teve a vez que dormi na praia de Canasvieiras e algumas amigas só foram me encontrar no outro dia pela manhã: o Carnaval em Pelotas, onde fui expulsa de um retiro espiritual e jogada na rua sozinha em plena madrugada; a noite que escapei de três homens mal- intencionados por uma fração de segundos na praia do Cassino; ou quando, em surto, busquei pela minha sobrinha imaginária entre os jovens que se divertiam na noite de um final de semana em uma avenida movimentada da cidades. Meus surtos eram intercalados por períodos de sanidade em que eu voltava à Faculdade de Jornalismo e me envolvia em questões sociais, como meio ambiente, direitos humanos e comunicação alternativa. Também nesses momentos eu buscava um mundo ideal e acabava me perdendo mais adiante em meus devaneios pelo fato de a realidade não corresponder ao que eu almejava.
Em certa ocasião, fui ao Rio de Janeiro e lá conheci uma turista alemã. Passeamos pela cidade sem que ela percebesse que eu estava surtada. Tempo depois, ela me mandou um cartão-postal. Respondi no meu inglês macarrônico, dizendo que na época eu estava maluca. Acho que ela não entendeu nada. Talvez porque eu estabelecia diálogos internos: explicando melhor, eu não falava dos meus sentimentos absurdos. Guardava-os para mim. Já imaginei que poderia me transformar num cavalo ou que entabulava um diálogo com uma baleia que, na realidade, era um imenso tronco de árvore. Já experimentei desde o frio numa cela de um hospital público até o conforto de uma piscina numa clínica particular. Os dois me privaram da liberdade. Tomei uma quantidade absurda de remédios, entre os quais o lítio se destacou. Passei por 10 internações e mais duas recentemente, com um intervalo de 10 anos.
CONTINUA...
Bem, pessoal, por hora era isso. Para o texto não ficar muito longo, eu vou escrever a segunda parte na semana que vem.
Espero que estejam apreciando as informações.
Um abraço a todos e até a semana que vem.