Vamos continuar com a segunda e última parte da reportagem sobre Bipolaridade.
"Nesse período, conheci meu marido, que tem sido meu grande companheiro nesta caminhada. As duas internações mais recentes foram muito doloridas, e ele sempre esteve ao meu lado. Fizesse chuva ou sol, nunca faltou a nenhuma visita. Precisei trocar de medicação, porque o lítio estava me intoxicando. Meu humor ficou instável e acabei discutindo com uma colega no trabalho. Aquele acesso de raiva ia contra tudo o que eu buscava naquele momento, inspirada em ideias de amor e compaixão do budismo.
Eu passara por um intervalo de 10 anos em uma condição estabilizada e achava que tudo estava se encaminhando para um futuro de sanidade. Mas de repente tudo mudou.
Após essa discussão, me senti muito frágil e comecei a ter sentimentos de perseguição. Eu me afastei do trabalho, tomei uns comprimidos a mais e fui internada pela 11ª vez. Meu marido fez questão de me internar numa ala privada para que eu não tivesse que conviveras as usuárias de crack. Recebo alta, volto ao trabalho, mas o sentimento de perseguição continua e sou internada pela 12ª vez após ingerir comprimidos com um litro de vinho tinto seco. Meu marido me leva desacordada para o Pronto Socorro e fica ao meu lado até eu despertar . Volto mais uma vez ao trabalho, mas não consigo me adaptar. Estou com 50 anos e surge a possibilidade de eu me aposentar. Este não é o destino que imaginei para mim, mas a minha bipolaridade se mostrou muito séria.
Quando escrevi Me Diga Quem Sou, estava num momento bom de minha vida. Sei de pessoas com este transtorno de humor que têm uma vida relativamente normal desde que bem medicados. Eu também fui assim. Hoje tomo Aripiprazol e Depakene (acido volproico). Estou até bem do ponto de vista químico, mas emocionalmente me sinto bastante triste . Talvez seja a hora de recomeçar novamente com outros padrões de felicidade. Quem sabe escrevendo e assim explicitando este meu jeito diferente de sentir. Assim como eu, muitos outros bipolares gostariam de ser ouvidos, aceitos e de contribuírem de alguma forma.
Pude sentir isso no lançamento do livro na Livraria Cultura em Porto Alegre. Duas pessoas me falaram da dificuldade de não serem compreendidas, das oscilações de humor e das ameaças de suicídio. Nem sempre ser bipolar foi tão ruim assim. Confesso que, no princípio, eu sentia um fascínio pela química feroz de meu cérebro, que me levava a uma euforia fantástica. Mesmo pagando um preço muito alto por tudo isso, eu me sentia especial. Com as perdas decorrentes pelo caminho, esse sentimento foi diminuindo aos poucos. Hoje, Confesso que me sinto um tanto perdida diante da situação que a vida me colocou ou que me coloquei. Tenho o apoio da minha família e do meu marido e a admiração de pessoas que leram o meu livro, mas me sinto triste. Preciso me reinventar como a bipolar que já viajou sozinha para o Espírito Santo com uma mochila cheia de remédios e de esperança para fazer o seu trabalho de conclusão da faculdade de Jornalismo. Lá estava eu em Regência, na foz do Rio Doce quando ainda não contaminado pela lama maldita que veio matando tudo. Eu tinha 27 anos. Entrevistei e convivi com técnicos do projeto Tamar (Tartarugas Marinhas) e habitantes do local. Foi uma grande aventura. Tinha dias e horas marcadas para falar com meu psiquiatra que estava a milhares de quilômetros de distância em Porto Alegre.
Agora, a vida me apresenta outra aventura: a de reunir forças para continuar sabendo que não sou uma enviada divina; muito pelo contrário, sou frágil e é daí que preciso tirar uma forma mais suave de viver, sem tantas oscilações. E quanto àquelas piadinhas sobre bipolaridade, é melhor nem pensar. Embora elas estejam por aí, só quem vive na carna sabe como é. Aos 21 anos um psiquiatra me disse que havia vários estágios de bipolaridade, e que o meu era muito sério a ponto de talvez eu não voltar. Voltei para contar a minha história, para desmistificar certos preconceitos, para não me sentir só. Talvez, mesmo assim, eu não seja compreendida, mas eu entendo, pois até hoje eu venho tentando me descobrir.
Pois é... mais uma colega de doença, digamos assim.
Todo mundo diz a mesma coisa quando eu reclamo de ser bipolar: que eu tenho que ficar alegre porque tem os remédios e tal... imagina as pessoas bipolares de anos atrás quando não existia o carbolitium, por exemplo. Na real não tem que reclamar, não tem que fazer nada. É não pensar e colocar os comprimidos goela a baixo e agradecer por eles existirem... pelo resto da vida.
Triste realidade.
Por hoje era isso.
Até a próxima semana.
Quando escrevi Me Diga Quem Sou, estava num momento bom de minha vida. Sei de pessoas com este transtorno de humor que têm uma vida relativamente normal desde que bem medicados. Eu também fui assim. Hoje tomo Aripiprazol e Depakene (acido volproico). Estou até bem do ponto de vista químico, mas emocionalmente me sinto bastante triste . Talvez seja a hora de recomeçar novamente com outros padrões de felicidade. Quem sabe escrevendo e assim explicitando este meu jeito diferente de sentir. Assim como eu, muitos outros bipolares gostariam de ser ouvidos, aceitos e de contribuírem de alguma forma.
Pude sentir isso no lançamento do livro na Livraria Cultura em Porto Alegre. Duas pessoas me falaram da dificuldade de não serem compreendidas, das oscilações de humor e das ameaças de suicídio. Nem sempre ser bipolar foi tão ruim assim. Confesso que, no princípio, eu sentia um fascínio pela química feroz de meu cérebro, que me levava a uma euforia fantástica. Mesmo pagando um preço muito alto por tudo isso, eu me sentia especial. Com as perdas decorrentes pelo caminho, esse sentimento foi diminuindo aos poucos. Hoje, Confesso que me sinto um tanto perdida diante da situação que a vida me colocou ou que me coloquei. Tenho o apoio da minha família e do meu marido e a admiração de pessoas que leram o meu livro, mas me sinto triste. Preciso me reinventar como a bipolar que já viajou sozinha para o Espírito Santo com uma mochila cheia de remédios e de esperança para fazer o seu trabalho de conclusão da faculdade de Jornalismo. Lá estava eu em Regência, na foz do Rio Doce quando ainda não contaminado pela lama maldita que veio matando tudo. Eu tinha 27 anos. Entrevistei e convivi com técnicos do projeto Tamar (Tartarugas Marinhas) e habitantes do local. Foi uma grande aventura. Tinha dias e horas marcadas para falar com meu psiquiatra que estava a milhares de quilômetros de distância em Porto Alegre.
Agora, a vida me apresenta outra aventura: a de reunir forças para continuar sabendo que não sou uma enviada divina; muito pelo contrário, sou frágil e é daí que preciso tirar uma forma mais suave de viver, sem tantas oscilações. E quanto àquelas piadinhas sobre bipolaridade, é melhor nem pensar. Embora elas estejam por aí, só quem vive na carna sabe como é. Aos 21 anos um psiquiatra me disse que havia vários estágios de bipolaridade, e que o meu era muito sério a ponto de talvez eu não voltar. Voltei para contar a minha história, para desmistificar certos preconceitos, para não me sentir só. Talvez, mesmo assim, eu não seja compreendida, mas eu entendo, pois até hoje eu venho tentando me descobrir.
Pois é... mais uma colega de doença, digamos assim.
Todo mundo diz a mesma coisa quando eu reclamo de ser bipolar: que eu tenho que ficar alegre porque tem os remédios e tal... imagina as pessoas bipolares de anos atrás quando não existia o carbolitium, por exemplo. Na real não tem que reclamar, não tem que fazer nada. É não pensar e colocar os comprimidos goela a baixo e agradecer por eles existirem... pelo resto da vida.
Triste realidade.
Por hoje era isso.
Até a próxima semana.